Há os que nascem ricos, os que nascem pobres e os que nascem menos-mal. Há os que nascem, e continuam, gordos ou magros, ou assim-assim. Mas há os, e as, que nascem como o sendo em corpo errado. De pequenos e pequenas, brincam como não deviam brincar, ou que não era suposto que brincassem. Ensaiam as poses dos do outro lado, dão um toque de andrógino ou de transexo. Debaixo do corpo neutro da infância, limpo e angélico, assexual, sobram coisas ou faltam coisas, que para eles ou para elas deviam ou não deviam estar ali. No entanto, pais e os demais, insistem que o cabelo seja curto que se use esta ou aquela cor, que se ponham brincos e se imponham saias e ténis, bonecas para elas e carrinhos para eles, e no entanto, vão estranhando a apatia e o desinteresse, a insistência em pegar naquilo que não deviam. Às vezes, nem isso acontece, só mesmo neles e nelas, aquela confusão com o que vêem em si por fora. Tubos e buracos que não deviam estar. Falta qualquer coisa, alguma coisa se tem a mais. Poderia referir que na exteriorização dos órgãos sexuais, a dimorfismo, é uma questão de intensidade e de bailado de hormonas. Não há nada a mais, nem a menos, apenas uma questão de desenvoltura, de agudização de tamanho, para dentro e para fora. Que a glande do pénis não é mais que um clítoris emancipado, maior e mais proeminente, mas menos enervado, sem o milagre da multiplicação e multiplicidade dos orgasmos. Que os lábios grandes de uma vagina, não passam de uma versão rosada do escroto. Mas isto seriam pormenores e, para muitos, dignos de riso e de censura. No entanto, estão lá, como o nariz e os olhos, como as mãos e os pés, como o coração e os pulmões. Existem para serem usados, como benefício do bem-estar de cada um primeiro e depois com os outros.
Difícil de entender? Talvez mais difícil será para eles e para elas. Imaginem, rapazes, que acordavam um dia de manhã com tetas e vagina, que dali a dias torciam-se de dores, de cabeça e baixo ventre. Imaginem que o arrastar de chinelos da mãe e o respirar do pai vos irritava. Que condenavam, durante esses 4 ou 5 dias no ciclo de um mês, o bater de portas de armário enquanto se esvaíam em cheiro e torrente de sangue nas frinchas do corpo. Imaginem que vos rodeava um mundo forçosamente cor-de-rosa. Que eram mulheres por imposição, nas expectativas, nas virtudes e defeitos. Capados de sexualidade, arredados do poder de penetração (salvo as bugigangas), antes assediados por uns tantos a desejar invadir-vos as paredes dessa entrada do corpo, folhada de peles e coroada de um pedaço de carne e pele rosada, que tanto desconhecem. Um mundo de um guarda-roupa mudado, de convénio, mas com roupa que por muito que vos coubesse, tão pouco vos serviria. No peito, um enorme peso, o das mamas.
Agora imaginem isso desde os primórdios da consciência de si. Imaginem o avolumar do pesadelo, na adolescência, com os pêlos que crescem e a voz grave, com o alargar dos ombros e o cheiro do acastanhar do sexo, com as mamas que se enchem como balões a expor as ancas largas e o cheiro adocicado, a voz demasiado agudizada – sem roupa que o tape. Nem corte de cabelo, nem barba que se semeie. Uma angústia que incapacita, que destrói insidiosamente por dentro, que encaminha e reencaminha numa tristeza que se agudiza e que se agrava, que como um ácido dilacera as entranhas e os sentimentos, em depressão e suicídio. No fim, sobram amores e cidadãos inutilizados, perdidos. Mais importante que o sexo que se tem, é o sexo que se sente.
Difícil de entender? Talvez mais difícil será para eles e para elas. Imaginem, rapazes, que acordavam um dia de manhã com tetas e vagina, que dali a dias torciam-se de dores, de cabeça e baixo ventre. Imaginem que o arrastar de chinelos da mãe e o respirar do pai vos irritava. Que condenavam, durante esses 4 ou 5 dias no ciclo de um mês, o bater de portas de armário enquanto se esvaíam em cheiro e torrente de sangue nas frinchas do corpo. Imaginem que vos rodeava um mundo forçosamente cor-de-rosa. Que eram mulheres por imposição, nas expectativas, nas virtudes e defeitos. Capados de sexualidade, arredados do poder de penetração (salvo as bugigangas), antes assediados por uns tantos a desejar invadir-vos as paredes dessa entrada do corpo, folhada de peles e coroada de um pedaço de carne e pele rosada, que tanto desconhecem. Um mundo de um guarda-roupa mudado, de convénio, mas com roupa que por muito que vos coubesse, tão pouco vos serviria. No peito, um enorme peso, o das mamas.
Agora imaginem isso desde os primórdios da consciência de si. Imaginem o avolumar do pesadelo, na adolescência, com os pêlos que crescem e a voz grave, com o alargar dos ombros e o cheiro do acastanhar do sexo, com as mamas que se enchem como balões a expor as ancas largas e o cheiro adocicado, a voz demasiado agudizada – sem roupa que o tape. Nem corte de cabelo, nem barba que se semeie. Uma angústia que incapacita, que destrói insidiosamente por dentro, que encaminha e reencaminha numa tristeza que se agudiza e que se agrava, que como um ácido dilacera as entranhas e os sentimentos, em depressão e suicídio. No fim, sobram amores e cidadãos inutilizados, perdidos. Mais importante que o sexo que se tem, é o sexo que se sente.
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Ora, como em muitas outras questões do respeito pela emancipação da pessoa humana, Espanha aprovou há semanas a Lei de Identidade de Género (não confundir com Orientação Sexual), que além de moderna é de uma humanidade extraordinária. Sem recurso a cirúrgia, mas apenas com tratamento hormonal e acompanhamento médico e psicológico, é possível alguem do sexo masculino ou feminino, que se sinta o contrário, mudar e regularizar-se num novo nome na sua verdadeira identidade sexual.
O agora Julio Cuesta Bernal, foi o primeiro cidadão espanhol a fazê-lo. Emocionado, mas sobretudo completo, após 25 anos de luta e 50 anos de sofrimento. Um outro exemplo vem da América, onde Mike Penner, cronista desportivo do L.A. Times, assinou o seu último artigo como tal - aliás, um dos mais lidos de sempre naquele jornal. O próximo assinará como Christine Penner.
Por cá, é a indefinição, e aquele irritante confundimento, que mata Gisbertas e que imuniza os preconceitos com que se educa .
1 comentário:
Parabéns pelo texto.
Está brilhante.
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