quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Uma Biblioteca do Tamanho da Vida de Um Homem

A Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto resolveu, por unanimidade, atribuir o nome de António Teixeira de Carvalho ao edifício da Biblioteca Municipal sediada em Arco de Baúlhe. Eu aplaudo e aclamo desde aqui.

Não tenho jeito para homenagens, nem nos dias exactos nem nos locais, nem nas horas. E este texto, se podemos encaixá-lo nos parâmetros, parece tardio e fora de tempo, mas prefiro-o agora para que a memória não se encurte, porque as verdadeiras saudades vêm dias depois e continuam anos seguídos.

O Senhor Carvalho, para quem não o conheceu pessoalmente, licenciado em Filosofia - mas ele que me permita tratar-lhe por senhor, porque doutores há muitos, engenheiros às carradas, e de senhor ele é raro exemplo por estas bandas - nasceu em 1950, ano de muita boa gente parida por cá, no pós-Guerra, em plena ditadura. Mas não foi esta a doença que o corrompeu porque na aurora da democracia abraçou-lhe a iluminura como um girassol e seguiu-a mesmo por trás das nuvens.

Podia dizer que não lhe conheço a vida por dias nem anos, como friso cronológico, como nos facilitavam alguns nas aulas de História. Conheço-o pelo que dizia, pelo que fazia, pelo que fez sempre, pela sua terra e pela sua gente. No entusiasmo: pacífico e sereno como uma aldeia de pedra na montanha e, como ela, parte em mão humana da sua beleza imensa.

Foi presidente de Junta de Arco de Baúlhe no ano em que nasci (1983), mas de autarca apaixonado manteve sempre, mesmo em lugares de assembleia, a energia bem encaminhada e atirada para a frente. Homem de progresso aliás, amante das letras, das artes e das liberdades humanas, foi correspondente local de vários jornais nacionais, fundou jornais por cá, dirigiu outros, escrevia como ninguém e nunca deixou adormecer a sua comunidade no embasbacamento. Vem dele o primeiro puxão de orelhas à minha escrita, em 2002, salvo o erro, quando escrevi um artigo para o Ecos de Basto, depois de uma viagem à Hungria. Dizia ele que eu tinha uma escrita difícil de ler, confusa, que os tempos verbais não eram congruentes, que falava no passado e presente na mesma frase, e que haveria muita gente que não ia compreender-me. Palavras sábias e de verdade, e parece que ainda não aprendi com elas...

O Senhor Carvalho, no que de físico podíamos esperar dele, desapareceu em surdina no dia 8 de Dezembro do ano passado, no murmúrio dos dias, como sempre fez, para não parecer demasiado barulhento. Foi-se, respeitador com os nossos próprios sofreres e viveres, com uma pose formal, muito sua, de cangalheiro, como se o funeral fosse o nosso.

De qualquer forma, não fica findado o que posso dizer dele. Volto a escrever quando me apetecer passar do pensamento aos dedos, porque o senhor Carvalho vive neste formigueiro que resta a quem o conheceu. E não há datas por si que obriguem a lembrar pessoas, porque estas, quando Grandes, obrigam a pensar nelas em qualquer data...

E a melhor honra que se pode dar a um homem de tamanho interesse pela causa pública e pela dinâmica da sociedade civil é fazer da sua biblioteca um edifício vivo, pleno de actividade e local de convergência e partilha de conhecimento. Gostava, como ele gostaria certamente, de ter por lá espaços de tertúlia, de discussão e foz de gente interessa na cidadania e nas novas formas da imprensa e da expressão livre. Uma biblioteca do tamanho da vida do Senhor Carvalho...

3 comentários:

Gabriela disse...

Meu caro Vítor,
Lembro-me do Senhor Carvalho quando, ainda por Cabeceiras, ele me cumprimentava como se su fosse uma senhora. Fazia uma grande vénia, acenava com a cabeça e sorria até eu desviar o olhar. Nunca percebi por que razão aquele senhor me cumprimentava de forma tão delicada, sendo eu apenas uma garota. Hoje percebo que a delicadez e a educação não têm idades.
Belíssima homenagem lhe prestas. Onde quer que esteja, está a sorrir com as tuas palavras verdadeiras e sentidas... e com o facto de ter errado: tu não tens uma escrita difícil nem rebuscada. Quem ler este texto perceberá isso mesmo. E descobrirá um dos teus talentos "maiores"...

Anónimo disse...

Parece-me justa e oportuna a homenagem. Acho que a atribuição do nome do Carvalho à Biblioteca do Arco é o tributo a quem em vida tanto se empenhou pelo desenvolvimento do Arco, mas que possuía uma visão ampla do que deveria ser o desenvolvimento do concelho. E por isso o carvalho é um grande Cabeceirense. Enquanto político era um humanista, defendendo convictamente as suas ideias, foi sempre capaz de estabelecer consensos e pontes com os adversários políticos, o que só era possível devido a uma inteligência e uma cultura política notáveis e isso, infelizmente nesta terra, é algo que só está ao alcance de uma minoria, isto porque aqueles que não têm cultura democrática e política para entender as diferenças, encontram no radicalismo da sua sociedade o seu "modus vivendi". Fica para sempre o legado do Carvalho à qualidade da imprensa local e regional e o seu empenhamento pelas causas da sua terra. Que a homenagem ao carvalho, seja um acontecimento que envolva toda a sociedade Cabeceirense e não se transforme numa jornada de aproveitamento político, por parte de quem, em vida, deveria ter dado muito mais valor ao agora homenageado, que por vezes, na minha presença, foi humilhado e insultado por alguns dos que agora o homenageiam, só por pensar pela sua própria cabeça. E eu sei muito bem do que falo!!!!!

Anónimo disse...

Olá meu amigo Pi!(tenho a certeza de que assim te poderei interpelar em toda a minha estadia térrea pois foi desta forma que signifiquei a construcção da tua imagem em mim bem como se de uma chave de confiança entregue em mão por ti se tratasse).
Revelo-te a minha inércia por só te escrever agora, envolto em tal densidade psicológica e ainda por cima "a maldizer"!(lol) Mas enfim...como na morte e na vida, e mesmo num abrir e fechar de olhos, o tempo nos é designado, sem constrangimentos de um ego por si só coagido pelo medo de se atrasar!
Penitências à parte, Escolheram este momento para eu te demonstrar o apreço, pela tua referência a uma personagem, de variável importância mas invariável existência,de que se tratou no filme da minha vida do meu progenitor. De facto, orgulhosamente, como dos seus todos devem estar, descendo de uma figura mítica para a minha consciência e assim cabe-me sem arrogância citar o "meu Deus" na Terra: "A minha vida começa quando eu partir pois vou acabar por morrer!Esperarei em paz, no campo de batalha junto ao poderoso exército de almas que meus braços encaminharam, para aí, com o sangue de Cristo em minhas veias, iluminar os corações de quem viveu e partiu para uma nova vida em escuridão! Agora e para sempre, nos momentos em que precisares de mim, olha-te no espelho, nos teus olhos bem fundo, e me verás no brilho a iluminar o teu caminho inconsciente!Amo-te!".
Como com certeza sentes Pi, a saudade é um vínculo eterno, por vezes encoberto por outros mais conscientes, mas, inegável é a tristeza transcendente que advém da usurpação da verdade da sua existência. Todos acompanharam a sua existência mas só existiu verdadeiramente para alguns, uns que se lhes toma o pulso e se sente amizade,lealdade e eterna felicidade!

Um abraço apertado de generosidade.