sábado, 8 de setembro de 2012

Espoliação fiscal em nome do capital


Passos Coelho anunciou ontem aos portugueses, lendo de um papel e titubeando, a maior transferência de riqueza já mais vista em Portugal. Com aumento das contribuições (de 11% para 18%) à Segurança Social, de uma forma socialmente insensível, os trabalhadores dependentes sentirão mais um ataque ao seu poder de compra ao mesmo tempo que é reduzida a contribuição das empresas para a Taxa Social Única. Assim, as grandes empresas, as verdadeiras beneficiadas, terão um "encaixe" de milhares de milhões de euros que, sob o lema da criação de emprego, irão magnanimamente transferi-los para muitos lados, menos para o "emprego". É histórico. Resumidamente, o cobrador-mor (Passos de Coelho) irá retirar dois salários aos trabalhadores da função pública e um salário aos trabalhadores do sector privado. Assim, continuará a financiar a banca, a pagar juros insuportáveis, interesses, compadrios, etc. Deixando de fora, a Educação, Saúde e Segurança Social. Mas no fim de tudo, ele ama-nos e sacrifica-se por nós (está mais velho, não está?). Um exemplo, sem dúvida. 

Não se conhecendo ainda, em profundidade, os pormenores destas e de outras medidas que sairão da cartola do primeiro-ministro, algo é evidente: são inconstitucionais, economicamente estúpidas e decalcadas de uma religião económica que se dá pelo nome de "neo-liberalismo". Repetir a receita, que não funcionou em lado nenhum, é uma prova de que o governo ou está internacionalmente manietado ou é universalmente suicida. Além do mais, a desonestidade intelectual do primeiro-ministro é gritante. Usando a "desculpa" da decisão do Tribunal Constitucional para impor estas contraproducentes medidas tenta esconder o seu falhanço com os resultados do orçamento de Estado deste ano. Argumentar que isto é uma consequência do que o Tribunal Constitucional decretou, no sentido que torna equitativo o "sacrifício", é uma valente peta. O que não é equitativo era a contribuição dos rendimentos do trabalho com os rendimentos de capital (está no acórdão), ou seja, em termos simples, os trabalhadores contribuem muito mais do que os especuladores. O TC decretou que deveriam acabar com estas diferenças e não estendê-las a todos os trabalhadores. Equivale a afirmar que devemos ser equitativos na desigualdade. É estúpido e paradoxal. Além disso, alguém ouviu o Passos de Coelho a zurzir com a mesma rapidez e frigidez tecnocrática alguma medida que incida sobre rendimentos de capital? Outra coisa, o que fará o agora excelso cidadão honorário de Cabeceiras de Basto, o irrepreensível Cavaco Silva? Fazer cumprir a Constituição e o Estado de direito ou fazer, mais uma vez, um "frete" (e com as consequências que se viram nos resultados orçamentais) ao mais extremista governo que alguma vez fora empossado em democracia?

4 comentários:

Abel Alves disse...

Plenamente de acordo. Inconcebível, abominável...nem consigo adjetivar. Qual Sócrates qual quê... isto sim, é o descalabro da política ao serviço de interesses económicos.

Anónimo disse...

Sócrates? Paraisos fiscais? Primos? Tios?
CAMBADA

Abel Alves disse...

Plenamente de acordo caro anónimo. Sócrates deixou tudo isso e outras coisas piores. Não me deixa especial saudade, até porque o seu governo também foi austero para com os contribuíntes e para com quem trabalha, transferindo o dinheiro sabe-se lá pra onde, deixando de fora certos grupos no que respeita a um esforço justo e equitativo para pagar o défice.

Mas os que lhe estão a suceder são uma continuação do mesmo, mas ainda com mais decoro e falta de vergonha na cara. Pegando nas suas questões, em ano e meio de Governo nada foi feito quanto aos paraísos fiscais. Também já se verificou a mudança de "panelas" que servem agora para os tachos dos "boys" das cores da coligação.

Vendeu-se ao desbarato e mal aos angolanos, o BPN, anteriormente nacionalizado para salvar capital de nomes bem conhecidos na sociedade política portuguesa. Depois foi a vez da EDP ser vendida ao Estado Chinês para que a tarifa da eletricidade continue a subir por incapacidade de um secreterio de estado negociar as rendas com a nova administração. A seguir vai ser a ANA, depois talvez a TAP, a RTP e a CGD, e sabe-se lá em que condições danosas para o Estado.

No cartel do petróleo nem se fala, os combustíveis sobem quase semanalmente, são intocáveis. Mas nem andar de carro nem de transportes públicos, porque até esses estão pela hora da morte.

O desemprego não pára de aumentar. Trabalhar onde? agora até o desgraçado que trabalha por sua conta e precariamente a recibos verdes vai ser ainda mais tributado, depois admiram-se da evasão fiscal e da "economia paralela" atingir os 20 e tal por cento.

O que é preciso é criar empresas exportadoras? com que dinheiro? O governo não pressiona a banca a libertar dinheiro para o crédito com condições e taxas de juro razoáveis que permitam às pessoas empreendedoras e criativas arriscarem no mundo empresarial.
De que serve a descída dos juros da dívida, se a banca continua fechada ao crédito. Nós não vivemos de números nem de estatística.

Temos de ser competitivos e por isso toca a baixar salários e reduzir os custos com o trabalho? Pra competir com quem? Com a tailândia e com a China? pois isso é utopia e demagogia. Se querem competitividade apostem no conhecimento científico dos milhares de jovens licenciados que emigram mensalmente e às resmas para países competitivos como a Alemanha, Reino Unido ou EUA... procurem incentivar a inovação tecnológica das empresas e aí terão um produto final não mais barato e competitivo pelo baixo custo do trabalho, mas antes pela sua qualidade, fiabilidade e originalidade, entre outras.

Atualmente há limites e injustiças na distribuição do esforço para pagar a crise que estão a ser ultrapassados com argumentos em que ninguem acredita, desde a direita à esquerda, aos economistas, analistas das mais diversas áreas e inclusivamente membros so próprio FMI. A opinião geral sobre esta medida anunciada é que em nada contribuirá para solucionar o desemprego e o crescimento da economia. Apenas e só vai afundar mais o país.

Será que estariamos melhor com Sócrates caso o PEC IV tivesse sido aplicado??? Não sei nem faço a mínima ideia, é impossível saber, tenho dúvidas. Talvez o caminho traçado fosse muito semelhante ao recentemente traçado por Paços Coelho, mas também tenho a forte convicção que não seria esse nem é este, o atual, que vai solucionar esta crise.

E os partidos da oposição que tenham juizo e que não se aproveitem deste consenso generalizado para forçar uma crise política e a dissolução do atual executivo. Que tenham o bom senso de ser a voz do povo na pressão sobre o governo em recuar com as abominaveis medidas recessivas e profundamente injustas de forma a traçar um orçamento de Estado minimamente razoável.

Paulo Pinto disse...

O Governo está a entrar numa fase de desorientação. Pressionado pelo aperto financeiro e sem coragem para afrontar os senhores do dinheiro, sacrifica sempre os mesmos: trabalhadores e pensionistas.
Engordar as grandes empresas que já nos sugam o tutano (EDP, PT, Galp, bancos, Sonae, etc.) à custa de quem lá trabalha a troco de um punhado de euros é socialmente injusto e chocante.
Se se obstinam em medidas como estas, arruinam a economia e pelo caminho ainda destroem a paz social. Governar hoje, nestas circunstâncias, exige preparação, visão e coragem. Parece que quem nos governa não tem nenhuma das três. Oxalá saibam, pelo menos, ouvir.