sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Todos iguais?

14th-century image of a university lecture

Pode ler-se o seguinte no ponto primeiro do Artigo 74º da Constituição da Républica Portuguesa: Todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar. Prosseguindo no mais importante documento da República, na alínea a) do ponto segundo do mesmo artigo 74º encontramos que na política do ensino incumbe ao Estado assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito. Dirão em tom crítico os mais avessos a estas matérias e por certos ávidos de um revisionismo radical ao documento citado que o mesmo trata apenas do ensino básico e por aí se fica. Mas eis que vem logo o “raio” da Constituição na alínea e) quebrar-lhes o deleite dizendo que incube ao Estado nesta matéria estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino.

No entanto, as apresentadas alíneas são apenas signos interpretáveis à luz da língua portuguesa se não forem respeitadas, na governação, pelos representantes eleitos pelos portugueses e que constituem o seu corpo governativo. Estas podem quebrar o deleite de alguns mas apenas por breves momentos, nunca lhes tirando o sono. Todo esse prazer roubado aos defensores acérrimos da destruição da Escola pública foi agora duplicado em dose extra pela recente entrada em vigor do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, garantindo uma reforçada autonomia à oferta privada educativa.

Garanto-vos que nada tenho contra o ensino privado se não tudo. E tenho tudo contra porque este se sustém e gera lucros, criando impérios, na esmagadora maioria dos casos, recebendo avultados “apoios” Estatais de controversos e obscuros contratos de associação. Tenho tudo contra, porque na grande maioria dos casos estes impérios foram construídos em locais onde não existiam quaisquer problemas de oferta educativa e como tal, onde as suas construções se efectivaram sobre o pretexto fictício de “interesse público”. O mesmo artificial interesse advogado no financiamento Estatal (sublinho de todos os contribuintes) destas instituições de ensino privado e cooperativo. Este problema sempre me incomodou. Mas diria que fiquei enojado com a visão estratégica para a educação deste governo (e dos anteriores que se mostraram interessados em discutir abertamente o problema) após ter visto a reportagem de grande qualidade da TVI intitulada "Verdade inconveniente". De entre as suas várias pérolas que afrontam o cúmulo do razoável encontramos uma Irmã, directora do colégio privado Rainha Santa Isabel dizendo que nós estamos aqui para todo o público que procure o ideário que a escola faculta. Cara, Irmã Maria da Glória, tudo bem que a sua escola tenha um ideário de alto valor mas então que esse ideário restrito não seja pago por todos para o usufruo de alguns. Para além disso não me parece muito "católica" a sua tese. Podemos ainda encontrar o tecnocrata Nuno Crato (que parece que é ministro) apregoando a defesa da liberdade individual ao afirmar que os encarregados de educação devem poder escolher se os seus filhos querem estudar numa escola pública ou privada, publicitando tal e qual marketeer as virtudes do cheque-ensino. Senhor Crato, claro que devem poder escolher desde que o Estado não pague aos que escolham ensino privado quando o público tem capacidade de os receber. É, sem sombra de dúvida, passar um atestado de incompetência ao ensino público estatal – pertencente ao mesmo Estado que o senhor jurou representar. É, portanto, um atestado de burrice a si mesmo. Deplorável, mil vezes deplorável.

Entristece-me severamente viver num país onde o ensino público é esquecido, e levado irresponsavelmente à degradação para logo após abrir caminho à promiscuidade público-privada.

Diz-nos o ponto primeiro do artigo 13º da Constituição que Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. O governo, na sua mais que desejada revisão constitucional, acrescentaria neste artigo 13º, aquilo que Orwell escreveu no “Triunfo dos porcos” e que adapto aqui: Todos os cidadãos são iguais, mas alguns são mais iguais que outros.

1 comentário:

Paulo Pinto disse...

Numa lógica de contenção da despesa pública, seria normal que a revisão dos apoios estatais ao ensino particular se fizesse no sentido de diminuição acentuada desses apoios, em prejuízo das famílias que optam por esse sistema e que, na maioria dos casos, pertencem a estratos socioeconómicos favorecidos. O ensino público, como serviço posto ao serviço de todos os cidadãos e cobrindo todo o território, seria o menos afectado. Pois a via escolhida é, pelo contrário, incentivar e financiar o particular e desinvestir no público, numa estratégia aparente de definhamento e eventual morte a prazo do sistema público de ensino. É, sem dúvida, deplorável e deve ser denunciado. Os representantes sindicais dos professores têm sido muitas vezes criticados por estarem sempre contra todas as reformas no sector da educação. Perderam muita credibilidade com isso. Mas neste ponto têm carradas de razão, e a bem do país é bom que estas políticas sejam paradas enquanto é tempo.