terça-feira, 3 de junho de 2014

Silêncio!


O silêncio situa-se em dois pólos opostos. Serve para que possamos falar ou para que se impeça que se fale, serve para libertar ou para oprimir, serve para que outros sons se oiçam ou para que só um impere, o do próprio silêncio. O escritor moçambicano Mia Couto escreveu em tempos um livro com o título “Venenos de Deus, remédios do Diabo.” Nos dias de hoje, o silêncio parece-me que é usado precisamente nesse sentido, como um veneno divino, porque aceite sem questionar, e um remédio do Diabo, acreditando que nos cura quando alastra a doença.

É da crise da democracia de que falo. Ou melhor dizendo, das democracias, um pouco por toda a Europa, para restringir territorialmente a esse continente a análise. Das últimas eleições europeias nada de novo, isto é, nada que já não fosse expectável. No entanto, a subida das forças politicas assentes ideologicamente na extrema-direita é algo que a todos nos deverá preocupar e que perante essa preocupação, o silêncio nunca poderá ser a melhor resposta. Este não é tempo de reflexões profundas mas de ações concretas. O silêncio demonstrará tão só que desacreditando totalmente na Europa deixaremos que os partidos do poder se reúnam cada vez mais ao centro enquanto a Europa se desmantela ao som do populismo fácil da extrema-direita que mobiliza o descontentamento de quem deixou de acreditar na social-democracia porque esta casou com o neoliberalismo.
Concretamente, temos um claro relato de Lúcio Machado, empresário mondinense que o New York Times foi descobrir. Este homem é um entre milhões que sofre as consequências do jogo de casino em que a banca se tornou, onde a desregulação financeira asfixia a economia real, aquela que produz realmente mas que a finança especulativa insiste em destruir. Um destruição levada a cabo pelas suas taxas de juro calculadas com base no mesmo universo do desconhecido com que as agências de rating emitem os seus resultados que influenciam estrondosamente e absurdamente o financiamento dos países só porque os mercados “acordaram de mau humor”.

Aproximando a lupa a uma escala mais reduzida, os episódios circenses com que as reuniões de Assembleia em Cabeceiras tem sido levadas pelo seu presidente e pela bancada socialista deveriam envergonhar qualquer pessoa que se diga democrata. A negação repetida do uso da palavra, princípio básico da democracia, escudando-se em leituras obscuras do regimento é prova de que quem impõe o silêncio teme ouvir a palavra, sabendo que o que ouvirá é a verdade. Perante tudo isto, a paródia aumenta de tom quando o desrespeito pelo órgão democrático que é a Assembleia Municipal é protagonizado por aqueles que de forma lírica com voz pouco musical insistem em proclamar os valores de Abril enquanto se usassem o silêncio era bem mais sensatos.


Por último, foi com enorme prazer que estive à conversa com José Pereira que completou recentemente 101 anos. Mesmo o seu século de existência não lhe faz tremer a voz. O silêncio que insiste em fazer quebrar deveria ser inspiração para muitos jovens que lentamente deixam que o silêncio os adormeça e acabam por se abster da vida quando o presente precisa tanto que a força da palavra lhes comande o corpo e a mente.

in Editorial Jornal O Basto, Maio 2014

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