O
silêncio situa-se em dois pólos opostos. Serve para que possamos falar ou para
que se impeça que se fale, serve para libertar ou para oprimir, serve para que
outros sons se oiçam ou para que só um impere, o do próprio silêncio. O
escritor moçambicano Mia Couto escreveu em tempos um livro com o título
“Venenos de Deus, remédios do Diabo.” Nos dias de hoje, o silêncio parece-me
que é usado precisamente nesse sentido, como um veneno divino, porque aceite
sem questionar, e um remédio do Diabo, acreditando que nos cura quando alastra
a doença.
É
da crise da democracia de que falo. Ou melhor dizendo, das democracias, um
pouco por toda a Europa, para restringir territorialmente a esse continente a
análise. Das últimas eleições europeias nada de novo, isto é, nada que já não
fosse expectável. No entanto, a subida das forças politicas assentes
ideologicamente na extrema-direita é algo que a todos nos deverá preocupar e
que perante essa preocupação, o silêncio nunca poderá ser a melhor resposta.
Este não é tempo de reflexões profundas mas de ações concretas. O silêncio
demonstrará tão só que desacreditando totalmente na Europa deixaremos que os
partidos do poder se reúnam cada vez mais ao centro enquanto a Europa se
desmantela ao som do populismo fácil da extrema-direita que mobiliza o
descontentamento de quem deixou de acreditar na social-democracia porque esta
casou com o neoliberalismo.
Concretamente,
temos um claro relato de Lúcio Machado, empresário mondinense que o New York
Times foi descobrir. Este homem é um entre milhões que sofre as consequências
do jogo de casino em que a banca se tornou, onde a desregulação financeira
asfixia a economia real, aquela que produz realmente
mas que a finança especulativa insiste em destruir. Um destruição levada a cabo
pelas suas taxas de juro calculadas com base no mesmo universo do desconhecido
com que as agências de rating emitem os seus resultados que influenciam
estrondosamente e absurdamente o financiamento dos países só porque os mercados
“acordaram de mau humor”.
Aproximando
a lupa a uma escala mais reduzida, os episódios circenses com que as reuniões
de Assembleia em Cabeceiras tem sido levadas pelo seu presidente e pela bancada
socialista deveriam envergonhar qualquer pessoa que se diga democrata. A
negação repetida do uso da palavra, princípio básico da democracia,
escudando-se em leituras obscuras do regimento é prova de que quem impõe o
silêncio teme ouvir a palavra, sabendo que o que ouvirá é a verdade. Perante
tudo isto, a paródia aumenta de tom quando o desrespeito pelo órgão democrático
que é a Assembleia Municipal é protagonizado por aqueles que de forma lírica
com voz pouco musical insistem em proclamar os valores de Abril enquanto se
usassem o silêncio era bem mais sensatos.
Por
último, foi com enorme prazer que estive à conversa com José Pereira que
completou recentemente 101 anos. Mesmo o seu século de existência não lhe faz
tremer a voz. O silêncio que insiste em fazer quebrar deveria ser inspiração
para muitos jovens que lentamente deixam que o silêncio os adormeça e acabam
por se abster da vida quando o presente precisa tanto que a força da palavra
lhes comande o corpo e a mente.
in Editorial Jornal O Basto, Maio 2014
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