segunda-feira, 21 de agosto de 2006

A Tontura

Quem diria que um comentador de discurso articulado, tão insidioso como aparentemente artificial, se iria tornar um primeiro-ministro que, revelando uma subtil capa de austeridade e autoridade, vai perturbando a homeostasia da oposição. O PSD, por exemplo, está confuso e aos pedaços, onde não há almoço ou jantar concorrido que esconda as divisões e o atordoamento. Assemelha-se a um cano furado a perder água, a esvair-se na panóplia de vozes discordantes em que, muitas vezes, o candidato derrotado à presidência se confunde com o vencedor na hora de lançar as farpas tímidas à esfinge inabalável de Sócrates. O partido laranja, mesmo na míngua, é demasiado grande para Marques Mendes, o que também não era difícil, diga-se...
Entretanto, ninguém sabe ao certo por onde anda a Direita e onde acaba e começa a Esquerda. Neste bazar de bugigangas, restam os caciques da mal-educação. E é ridículo, quanto a própria figura, o regateio de Alberto João, a apelar a Cavaco Silva, silencioso e apático, que ajude o País e a Madeira, como quem pede a Afonso Henriques que ressuscite. Como se o Primeiro Rei fosse fazer alguma coisa com espada e o peso da malha de chumbo. Cada um no seu tempo… E Alberto, o seu tempo já lá vai!

De resto nem nada ou pouco se aproveita… O CDS confunde-se como PP e o PP com o CDS, e até Manuel Monteiro se vê interessado numa fusão à direita, num BD, uma alternativa “moderna”, “sexy” (?) e conservadora ao Bloco de Esquerda se calhar. Esse, que com a outra esquerda da esquerda, fraqueja no discurso, tonta com tantos números e powerpoints, e com os próprios tiros no pé, quando se pronuncia por guerras alheias e acena a vozes de fanáticos e tiranos. Entretanto vão ganhando terreno as Frentes Nacionais e o neofascismo…
Nesta tontura generalizada, o Governo de Sócrates revela-se uma MTV da política, um palco montado de Madonnas e bailarinas exóticas desnudadas e no entanto cinzento como um Conselho de Primavera Marcelista. É nesta ondulação que se vão hipnotizando todos, à direita e à esquerda, que fartos de uma porta giratória em São Bento, lhe vão dando o apoio e tolerando os desaires. E nisto tem tido fortuna, até Constâncio ajuda, mais que qualquer sopro de boa conjuntura, passou de profeta da desgraça a Anjo do advento, dessa prosperidade que tarda... Virão aí os bons tempos?

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