© Bruno Simões Castanheira/JN
Caro Francisco Fraga.
Muito me honra a réplica, sobretudo não sendo eu deputado da nação tão pouco deputado local. Condição que não me arranca, nem nos arranca, de todo, do palco da cidadania, onde talvez “político” não seja realmente termo que abone nestes tempos.
Mas voltando ao assunto. O meu caro Francisco Fraga, define o casamento entre um homem e uma mulher pela rigidez dos elos mais fracos que a compõem: os filhos.
Para si, se entendi, não há um verdadeiro casamento sem filhos e portanto, não há casamento para quem a Natureza deixou de ser mãe para ser madrasta (ainda que haja madrastas melhores que muitas mães de BI), nomeadamente mulheres e homens inférteis ou outra condição física que os impossibilite cumprir o desígnio com que foram deitados ao mundo: ter filhos.
Aliás, basta que um casal decida não ter filhos que o casamento deixa de ser cama onde possam deitar-se. Para si, se entendi, é dever de gente casada ter filhos. Ora, se o Francisco tem essa visão – desculpe o termo – “procriadeira” do casamento, eu respeito completamente. E se suporta essa “factualidade”, para não dizer fatalidade, na Bíblia, e não sendo eu crente, respeito, mas não concordo. Até porque a entendo como uma visão redutora da existência. No entanto, ainda que considere que ambas opiniões numa matérias desta possam ser debatidas, nunca devem ser referendadas e impostas aos outros.
Por outro lado, sendo o Direito "propriedade da sociedade que regula", global ou nacional, em que todos têm iguais deveres e a obrigações para com o Estado, não pode haver uns com mais direitos que outros.
Daí que no meu entender, o que a nova lei faz é tornar neste domínio o Estado Português mais secular, justo e universal. Um Estado que simplesmente passa a respeitar o direito de duas pessoas adultas à sua vida em comum, independentemente de tudo. E aí o casamento civil - repito, civil – é um contrato que existe para celebrar na lei, com garantias e deveres, um contexto de conjugalidade, nada mais.
De resto, uma pessoa quando ama outra - penso que é um sentimento que conhece -, manifesta uma diversidade de afectos, cria expectativa de vida sob o mesmo tecto, de partilha de objectivos, projectos e responsabilidades para com o outro e do outro para consigo. Isto é igual, quer se seja heterossexual ou homossexual. E longe está essa igualdade de abrir precedente à poligamia. A existir o precedente, este foi criado no momento em que se fundou o contrato na lei. Tanto heterossexuais como homossexuais em Portugal partilham as mesmas interrogações acerca de uma conjugalidade vivida a mais do que 2 pessoas. É, na minha opinião, um debate completamente diferente.
Quanto ao referendo, este é um instrumento que deve ser utilizado em democracia quando estiverem em cima da mesa ideias cuja aplicação afectem a qualidade de vida todos os cidadãos, como reorganização (política) das instituições e administração públicas, e projectos nacionais que envolvam recursos públicos. A exemplo: regionalização, tratados internacionais e até eventos como Europeus e Mundiais.
Nunca o Referendo deve ser utilizado como instrumento de arremesso de considerações sobre as outras pessoas, segundo cor de pele, crenças religiosas, género, identidade e orientação sexual, sobretudo quando estas não prejudicam a nossa própria existência e o modo de vida.
Se acha exemplar que as democracias que referiu o usem nesta matéria - eu não acho-, também não devia torcer o nariz com tanta veemência o facto da maioria desses Estados consagrarem na lei o que a Republica Portuguesa passou a consagrar desde ontem (ainda que falte a promulgação do Presidente).
Não me querendo alongar mais.
Os meus sinceros cumprimentos.
Vítor Pimenta.
Em anexo: este artigo oportuno de Paulo Pinto de Alburquerque, no DN.
1 comentário:
Concordo com a união juridicamente reconhecida (casamento ou o que quisermos chamar) entre pessoas do mesmo sexo, com direitos e deveres iguais aos heterossexuais. E isso inclui a adopção, que esta lei deixa injustificadamente de parte.
Mas também me parece que um referendo faria sentido (embora o resultado fosse provavelmente a rejeição...). É que o que está em causa não é o direito de os homossexuais se unirem, coabitarem, contratualizar aspectos da vida, etc, mas sim o estatuto jurídico e a concessão de certos direitos que são atribuídos pela legislação produzida em nome da sociedade. Por isso, a sociedade deveria ser chamada a pronunciar-se. Fez-se (em parte) justiça, mas não pelos melhores meios. Se a lei da interrupção voluntária da gravidez tivesse sido aprovada pelo Parlamento em vez de ser referendada,a sua legitimidade social seria muito menor. É a minha opinião: vale o que vale.
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