sábado, 16 de novembro de 2013

A manobra de diversão


Rene Magritte Lithograph, Golconde




As últimas eleições autárquicas de 2013 instauraram uma ordem inédita na vida politica cabeceirense, e, consequentemente, uma agitação invulgar, nas conversas passageiras, nos sussurros e mexericos , nos comentários, comunicados e demais escritos envoltos. Contra mim falo que sobre esta matéria tenho escrito diversas vezes. Não me desculpem, se o fiz em demasiada, porque não penso que o tenha sido. É que esta esta nova ordem politica é tão cómica quanto trágica.

Da comédia:

Primeiro, apesar de fielmente o presidente fantoche ter consentido a presença (omnipresente) de Barreto a seu lado nos cartazes sob a justificação de "Candidato à Assembleia Municipal", mesmo que ninguém mordesse o engodo, agora já nem engodo existe a julgar pela recente nomeação do "imortal" para Presidente da Basto Vida - nomeação de resto aconchegada por um brilhante tiro no pé politico do Prof. Mário Leite. Este último, de resto, se bem se lembram, inflamado opositor do "regime barretista" - expressão por si utilizada em plena campanha.

Segundo, quem assistir a qualquer cerimónia oficial assiste a um verdadeiro espectáculo, a uma encenação de elevada mestria e de profundo ensaio. De um lado temos um obcecado que cessou funções presidenciais mas que mantém enraizados os "maneirismos" do poder, e genialmente munido de uma estratégia de retomar (oficialmente) o seu cargo perdido pela lei de limitação de mandatos, toma de assalto a oposição. Logo a abrir dizimou o flanco direito com carícias e promessas de amor; ao flanco independente apontou uma estratégia mais hard core a fazer lembrar, não a classe de Sun Tzu na Arte da Guerra, mas antes a falta de escrúpulo de um Berlusconi, ensinado nos sinuosos "corredores" da Cosa Nostra siciliana.
De outro lado temos a figura de um impávido e sereno presidente legitimamente eleito que vê atropelado o seu poder e influência de decisão, sendo reduzido a um mero porteiro, um meio para atingir um fim - disponibilizar caminho para um mandato-campanha. Tudo isto garantido pela entrega de poderes executivos em quem, supostamente, deveria fiscalizar os mesmos. E sejamos francos, melhor fiscal do que aquele não há. Até a sua sombra sofre fiscalização.

Da tragédia:

É profundamente trágico para a democracia em Cabeceiras de Basto episódios que institucionalmente patrocinam a promiscuidade e que instauram aquilo que o filósofo Giorgio Agamben designa como estado de excepção - " um patamar de indeterminação entre democracia e absolutismo." 

Ler o mais recente comunicado oficial da Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto sobre a reunião da Assembleia Municipal no passado dia 8 de Novembro é mais um exemplo claro dessa indistinção. As palavras (legitimamente se caso o fosse) produzidas por uma linguagem partidária transferem-se para a legitimação de comunicado de Câmara Municipal sob a formalização de informação oficial. A Presidência não trabalha para um partido e não é a esse que presta contas quando se dirige aos cabeceirenses, nessa qualidade; a Presidência informa a todos sob a posição que a todos interessa - isto é, a posição de informar dos factos ocorridos e não a interpretação dos mesmos sob a leitura de uma bancada parlamentar em especifico. 
Ler um comunicado que de sete parágrafos descritivos da ordem do dia, apresenta quatro sobre uma tomada de posição da bancada socialista, sem posteriormente dedicar nenhum à resposta da outra parte é demarcado caciquismo. Pior, é caciquismo legitimado com a roupagem de um órgão autárquico.
É ainda trágico que tudo isto venha das mesmas bocas que usam e abusam dos ideias de Abril em inflamados e emocionais discuros, como "pau para toda a colher", quando mais uma vez demonstram que, como já o disse, o cravo não serve para mais se não para o tirar da arma, pronta a disparar.

Nas palavras do escritor austríaco Karl Kraus "o segredo do demagogo é fazer-se passar por tão estúpido quanto a sua plateia, para que esta imagine ser tão esperta quanto ele."

Este mandato dá provas do seu futuro: a demagogia pura em manobras de diversão que tal como ilusionista, diverte para iludir.


4 comentários:

Anónimo disse...

Melhor e mais perfeito seria quase impossível, isto para quem assistiu, claro. Mas esta vai direitinha para aqueles apaniguados que, na tomada de posse, se ofenderam com os piropos atirados ao suspeito do costume e nada disseram quando ele conseguiu falar tudo o que quis, dar a palavra a um seu correlegionário político e quartar a palavra a um que certamente não quereria ouvir nem que alguém o escutasse.
Mas está algo "elaborado" para determinados comentadores de ocasião opinarem.

Anónimo disse...

José Duarte, podes ter muita razão no que escreves, mas é bom que moderes a linguagem principalmente quando adjetivas os protagonistas. Olha que esta malta tem advogados de elite pagos pelo erário público e não hesitarão em meter-te um processo em tribunal levando-o até às últimas consequências. Há malta que já foi processada por muito menos. Não quero dizer que te devas deixar intimidar, mas deves usar o dom da palavra de forma mais inteligente e em tua própria defesa.

José Duarte disse...

Caro anónimo da 09:54, agradeço com todo o respeito a sua preocupação. E não lhe escondo que essa é, sem dúvida, uma preocupação que eu próprio possuo. Seria estúpido não considerar que certas palavras poderão ser alvo dessas estratégias de intimidação. No entanto, não se trata de preferir a provocatória à inteligência defensiva, mas trata-se de convicção. Não considero que o delito de opinião possa sequer ser punível judicialmente. E são raros os casos em que tal aconteceu, não passando sequer da primeira instância. Veja-se mesmo os casos "dessa malta" que foi processada e onde vai o processo. Por outro lado, sei que quem porventura me pudesse processar não o faria tendo em conta a actual conjuntura. Essas pessoas tem experiência de estratégia politica suficiente para saber que isso lhes seria prejudicial.
Um bem-haja.

Paulo Pinto disse...

Dou-te os parabéns pelo teu excelente texto. Com lucidez e inteligência, ilustraste muito bem a situação anormal e insólita que reina neste concelho ao nível autárquico. Daria bem um «case study» na área da Ciência Política ou da Psicologia Social. Lincoln disse certa vez uma frase lapidar: «Se quiserem conhecer um homem, deem-lhe poder.»