sexta-feira, 11 de abril de 2014

da incerteza

Joan Miró.  Ballarina. 1925. Oil on canvas. 115.5 x 88.5 cm. Galerie Rosengart, Lucerne, Switzerland.


A incerteza está aí. De fina imperceptibilidade enreda-nos em torrentes de tristeza que no abraço da insegurança encontra a condição precária em que nosso quotidiano se tornou. O dia de amanhã é tão imprevisível como a primeira gota de chuva que esperamos em algum momento cortar o sufocante enganador seco de uma tarde de trovoada. Tanto está aí o sol resplandecente como a sua luz se mistura de forma indelével com a frescura da precipitação que nos agita no interior mas logo acalma quando a toada passa e a terra apura os sentidos libertando o cheiro da sua natureza fértil.

A incerteza esta aí, como dia de trovoada. Porém, desenganem-se os mais incautos se pensam que a incerteza que vivemos é tanto sinónimo de perigo quanto uns poucos ou mais trovejos e umas cargas de água. A incerteza que vivemos é a do risco, é a da crise das democracias porque as instituições, de outrora (poderá dizer-se,  ainda com algum cepticismo) de pedra firme, se sustentam agora na volatilidade de desejos de uma cúpula de senhores e senhoras em quem mora a tão só a infame vontade de derrubar essas casas de pedra firme a que fomos costumados acreditar e a depositar confiança sob a forma de representação legitima.

Não há representação legitima quando é o próprio processo de representação que se descredibiliza pela força que instituições transnacionais assumem nos atropelos à mais importante soberana condição dessa representação – a vida das pessoas que sustentam a casa de pedra firme(?) chamada Estado.
Até aqui nada de novo. No entanto, a incerteza gerada pela perda de confiança é como gume laminoso que profundamente nos dilacera. Mesmo que a ferida não sangre, com o constante pungir da lâmina, a ferida cicatrizará quando já toda a lâmina estiver dentro de nós, movendo uma dor que nos afasta da condição humana.

É daqui, estou convencido, que ao longo dos anos, e hoje cada vez mais, a humanidade tem sido levada à loucura sob promessas de paz; é daqui que se desencadeiam as passagens de maior crueldade da nossa história. Basta que para tal façamos uma breve reflexão: nunca em nenhum outro momento estivemos tão seguros pelos avanços que a tecnologia permite (em relação à medicina; à previsão de catástrofes; em relação ao avanço de diversas indústrias; em relação à energia, etc…) mas igualmente e paradoxalmente, nunca nos sentimos tão inseguros pela dor que a noção paranoica do risco no aflige.

A noção do risco afasta-nos do nosso papel enquanto cidadãos e enquanto membros de uma comunidade. Sob a sua invisibilidade descreditamos as instituições e escusámo-nos a participar (nem que sempre contrariando e remando contra a maré). Assentamos sobre a noção do “eu” individualizado mais do que nunca e deixamos que laços se vão desprendendo sem sequer perceber que já se romperam há muito, por vezes de forma irreversível. Não podemos viver adiando a morte na ilusão de que amanhã o esquecimento nos entorpecerá um pouco mais os sentidos. A cegueira é contagiante. Quanto a trovoada se pressente (mesmo que o seja todos os dias) só o fortalecimento dos nossos laços comuns, do que nos une, poderá libertar  a insegurança que nos afasta.


Se há algo que aprendi em Orwell é que só no amor reside a maior acção revolucionária de todas.

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