sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Do Novo Paradigma de Saúde Comunitária

As Unidades de Saúde Familiar (USF's) são uma das melhores decisões políticas em Saúde do actual executivo. Venha quem vier, do alto da sua dor cotoveliana, ou por puro queixume. O exemplo na prática, e quem o tem vivido como eu, é incrivelmente positivo e inovador num país de hierarquias, de algum modo, ou por dinheiro, ou por academia, ou por fidalguia.

Basicamente, e em linguagem de corridinho, é um aglomerado espontâneo de profissionais da saúde, médicos, enfermeiros e gente da secretaria em torno de objectivos propostos e devidamente acordados com o Ministério da Saúde, nas suas delegações regionais, tendo em vista o cumprimento de determinados ganhos em saúde com os doentes sob alçada e consequentemente na saúde comunitária. No funcionamento em equipa, todos com igual voto na matéria, nas estratégias, na responsabilidade, nos direitos e deveres, na formação contínua e na avaliação. Coisa moderna e blasfema num sistema paternalista, centralizado mas que é bom exemplo do que a autonomia oferece quando bem remunerada e regulamentada. E nos salários está parte do âmago. Estes profissionais numa USF ganham sensivelmente o dobro do que num Centro de Saúde convencional, mas oferecem-se de bandeja à causa pública.

E se calhar, vai aí a diferença entre o que deve compensar o Estado quando os seus trabalhadores se lhe entregam de alma e coração e os que, sempre renitentes a reformas, continuam agarrados ao pote sujo e redondo da promiscuidade entre público e privado.

Já agora, para quando uma USF por Cabeceiras de Basto?

2 comentários:

Anónimo disse...

Ora cá está tudo, aquilo que devemos saber sobre USF's!Realmente vivemos num país a duas velocidades. E na questão da súde, então ainda é mais grave.Sr.Dr. Pimenta, de facto, o projecto de USF's na forma não está mal pensado, o problema é no conteúdo, eu também falo por experiência, apenas gostaria que me respondesse às seguintes questões:
1ª- Será que a saúde das pessoas deve ser tratada como números e cifrões economicistas?
2ª- porquê um médico deve ganhar o dobro do salário só porque muda a forma de tratar doentes?
3ª- Que mais valia trás para os doentes um sistema que pode obrigar o médico a fazer contenção no tipo de medicação que o doente toma (Exmp. Um doente Diabético)dado que, hà objectivos financeiros a cumprir com medicação?
4ª- cada médico só pode ter até cerca de 1800 doentes em ficheiro, se o médico tiver 2800 num C.S. mil poderão ficar sem médico; isto aconteceu por exemplo em Vizela! se os critérios são realmente só financeiros o médico escolhe os doentes que ficam mais baratos à USF; Certo?, e os outros vão ou não continuar a ficar caros ao Estado?
5ª- como deve saber, o governo colocou a "Cenoura" em Frente aos médicos; só que, bastante alta, a nivel nacional só existe uma USF em RRE (Regime REmuneratório Experimental)que é em Fafe, todas as outras estão num nivel A (nivel em que os médicos ganham a mesma coisa) mas para passarem ao Nivel B(RRE em que vão ganhar o dobro) têm de cumprir um Vasto Leque de Objectivos, desde tipos especificos de consultas, Gastos com medicação, exames complementares, tempos por consulta ETc...Etc..a minha questão: porque será que tantos médicos já abandonaram as USF's?

para terminar: dizer que os médicos se importam com a causa pública não é uma afirmação honesta. porque o que os leva a aderir é simplesmente é uma "autonomia bem Remunerada, se possivel em dobro, o resto são os doentes que pagam. Encerramento de atendimentos 24 horas, cuidados primários insuficientes, aumeto do tempo de espera por proxima consulta, etc..etc...

Vítor Pimenta disse...

Meu caro, anónimo, tenho todo o prazer em responder-lhe às perguntas, porque apesar de tudo sou um optimista ou pelo menos, assim ando. Bem:

1º Infelizmente neste mundo, não se pode contar em feijões nem batatas. É da cor do dinheiro tudo. E, mais lhe pergunto, critérios economicistas? Bem economia quer dizer basicamente, fazer mais com menos. E sabe bem que é possível, se as coisas forem devidamente regulamentadas. Há é uma falta de cultura de gestão de recursos na classe médica/ou de saúde, para não falar em desleixe. E não é só um fundo de economia é também, ambiental, saber gastá-los em devida medida, de modo a que não sejam desviados de coisas igualmente ou mais importantes e que o SNS não oferece.

2º Sabe perfeitamente que o médico que se dedica em exclusivo ao sector, num regime de flexibilidade com colegas e com o quotidiano diários das pessoas, deve ganhar bem porque é também incentivo à produtividade e a essa mesma flexibilização. Por outro lado, por muito humanismo que queira por na coisa, sabe perfeitamente que a maior vocação dos estudantes de medicina e médicos, neste país como nos Estados Unidos, é o estatuto e as contrapartidas da profissão, por muito apaixonado que lhe pareça o mundo, e aliás até parece que concorda comigo quando fala da atracção da “autonomia bem remunerada”. Digo-lhe que às vezes chego a pensar, que a selecção vocacional só se faz pelo nojo a unhas encravadas ou a sangue. No mesmo sentido, a falta de médicos nos cuidados primários, que deviam ser a aposta primordial de um Serviço Nacional de Saúde, está no retorno financeiro limitado que possibilita ao invés de uma daquelas especialidades com aparente toque de Midas. E acho sim, que os médicos de família devam ser muito bem pagos e incentivados, porque para lá da responsabilidade tem de se manter devidamente actualizados cientificamente e serem sobretudo disponíveis para a comunidade. Ponto!

3º A contenção na prescrição, e está a ser demagogo, não afecta os doentes crónicos. Os diabéticos, como outros, não são abarcados por este cuidado porque precisam deles. Por outro lado já ouviu falar em sobremedicação? Gente que é medicada com mais de quantos medicamentos, e alguns deles a intereagir uns com os outros e em prejuízo para o doente? Se calhar isto obriga a um melhor cuidado dos médicos na ponderação da terapêutica. Para não falar na prescrição desenfreada de muitos exames complementares caros que não servem de nada, repetidos umas quantas vezes por ano e com os prejuízos maiores no erário público, e que resultam de pura negligência científica por parte de alguns profissionais médicos. E esse esforço custa a alguns, que preferem o seu cantinho de laissez-faire a vaguear horas entre o consultório no C.S. e na clínica na rua ao lado. (e aqui também respondi à sua pergunta 5)

4ª Os 1800 utentes/médico como deve compreender, é um número razoável e ainda que ache exagerado. E 2800 então é uma vergonha porque negligencia completamente os cuidados como devem ser prestados, e que não é na visão que aparentemente tem dela, como curativa na parcimónia aflita das “urgências 24 horas” restringindo a actividade do médico de família, que também é o primeiro pilar do sistema.
E se calhar é por estas e outras chatices que alguns médicos abandonaram as USF’s. Porque os obriga a ser realmente médicos de Clínica Geral e Familiar, com dedicação à comunidade e a educá-la na sua Saúde.

E mais, não vejo porque é que um centro de saúde, sem qualquer capacidade de resposta a verdadeiras urgências/emergências tem de manter o estaminé aberto 24 horas só porque o cacique local quer vender votos e a perguiça mental exige. É um desvio perigoso, e nesse aspecto como nalguns outros, a equipa do Ministério da Saúde, desde Correia de Campos, tem muita razão.