Santo António pregando aos peixes |
Após os resultados eleitorais de 2013, quando a água da fervilhante campanha ainda não tinha esquentado, já os barões da mordaça, do Partido Socialista em Cabeceiras de Basto, atiçavam as suas hostes contra o ‘amadorismo’ do Movimento Independentes por Cabeceiras (IPC).
Toda a gente sabe (até esses barões da mordaça sabem) que não era contra o amadorismo que se atiçavam mas sim contra a própria incompreensão dos tais ‘amadores’ terem conseguido o mesmo número de vereadores eleitos (3) tendo estado muito próximos da vitória. O fenómeno político inédito em Cabeceiras de Basto quase derrubava o regime de duas décadas. Esteve perto. O Partido Socialista apanhou as parcas canas de uma vitória com sabor a derrota (lembro que apregoavam aos seus mais fiéis peixes que elegeriam cinco vereadores) e a procissão continuou. A luta na rua passou para a Assembleia Municipal. Estranho disseram alguns, dado que o ‘palco’ de discussão das estratégias políticas seria à partida as reuniões do Executivo Municipal. Mas cedo se percebeu que aquele que anteriormente habituado ao protagonismo de culto da personalidade não poderia abdicar de tal e a figura do Presidente eleito, Dr. Serafim China Pereira, foi relegada para segundo plano pelos barões do partido (do qual China Pereira parecia cada vez mais isolado). Afinal não estavam assim tão ‘unidos pela nossa Terra’.
As sessões de Assembleia Municipal atingiam recordes inéditos. Horas a fio, pela noite dentro, sessões que tiveram de ser prolongadas para outros dias, ataques pessoais teatralmente ensaiados entre a ‘bancada’ do PS e o Presidente da Assembleia Municipal, que em vez de um mero árbitro (assim como previsto nos Estatutos da sua função) transformava-se num ponta (de uma) lança atacando tudo e todos numa linguagem muitas das vezes insultuosa. Tudo isto constituiu uma táctica de guerra declarada, sob um objectivo que os bafientos barões pensaram ser de fácil resolução – esmagar os ‘amadores’ porque não estavam preparados, dividindo assim a sua (presumível) frágil base de apoio.
Assembleia após Assembleia o IPC revelou perseverança e prudência suficiente para não entrar no mesmo jogo desprezível para o qual os barões esfaimados tentavam arrastar. A táctica de guerra revelou-se desprovida de estratégia e tal como alertou o milenar Sun Tzu, “tácticas sem estratégia são o ruído antes da derrota”. O PS sofria a primeira; depois de menosprezar a autoridade legítima do seu Presidente eleito, este utilizaria a mesma ribalta da guerra que o desautorizava para trocar o punho pelo ‘murro na mesa’ e declarar que não compactuaria mais com os barões que o humilhavam publicamente. Acabaria por pedir a demissão. Os peixes graúdos de boca larga começavam a perder oxigénio.
De 2013 a 2016 a teatralidade continuou, mas perdendo força e consistência. Os barões mudavam de táctica e retraíam-se para outros palcos. As distritais do PS vieram e os resultados de Braga fizeram redobrar os peixes e as suas largas bocas. Mas o IPC já não eram esses “amadores”. Apresentavam-se cada vez mais sólidos e consistentes, capazes de articular particularmente bem as suas posições entre a Assembleia e o Executivo. Fizeram propostas, aprovaram algumas, saíram reprovadas muitas outras (apenas pelo preconceito de confundir inimigos com adversários políticos que toldava a vista até da ala mais dialogante do PS).
Tudo isto e três anos passaram, cheios da grandiosidade do mote do ‘Mosteiro a Património da Humanidade’, no fundo tão grande em conteúdo quanto os balões festivos – apenas de ar e pouco mais. O Presidente que sucedeu a China Pereira revelava que não estava preparado para a tarefa. Da sua incapacidade não é culpado. Culpe-se o partido por o deixar naquela posição de se ver empurrado para uma posição para a qual não foi eleito tendo de um lado os cacos da ala que apoiava China Pereira e do outro os barões que continuariam a desautorizá-lo.
Do seu lado, como escreveu o meu amigo Vítor Pimenta, o Presidente tinha “provavelmente o elemento mais competente política e tecnicamente dos vereadores com pelouro”. Tinha, pois já não tem mais. Isabel Coutinho renunciou aos seus pelouros por considerar que "a par da ausência de recursos, por diversas vezes foram tomadas decisões em matérias da minha responsabilidade, legal e política, ou sem o meu conhecimento ou com a mera comunicação das mesmas". Leia-se daqui o mesmo que poderá ser lido para a demissão de China Pereira: os barões do PS não têm cultura democrática, nem para com os seus próprios membros eleitos.
Agora pense caro leitor, pense e pergunte quem são realmente os “amadores”. Um movimento independente que em 3 anos se constituiu solidamente na cena política cabeceirense ou os barões de um partido que no mesmo período derrubaram dois dos seus membros eleitos?
No sermão de Padre António Vieira, este refere-se a Sto. António como tendo mudado o púlpito e o auditório, começando a pregar aos peixes. É bom que o PS saiba mudar antes de mais os peixes de onde recebem o pregão, porque esses vão morrendo pela boca que pregam, levando o Partido para esse mesmo caminho.
A democracia é tão mais forte quanto mais coesas sãos as forças políticas que representam as pessoas. Não é de um partido despedaçado que Cabeceiras precisa. Espero que 2017 traga algo necessariamente novo para além do próprio ano. 2017 tem de ser mudança!...
Um bom natal e um novo 2017.